quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Uma crónica "Gourmet"

De repente estou rodeado de coisas gourmet, restaurantes gourmet, lojas gourmet, comida gourmet, bebida gourmet, objectos gourmet e toda uma panóplia infindável de coisas com o raio da designação "franciú". A verdade é que não foi por acaso que repeti a palavra "gourmet" tantas vezes,  é exactamente a sensação que tenho quando ando por aí, de repente passou tudo a ser gourmet como que, subitamente, tudo ficou melhor, mais francês e refinado, mais cuidado, mais saboroso e com uma qualidade superior que sem a maldita designação não existia. Aliás qualidade que não exista há 10 dias atrás...mas agora já existe, porque agora é... "gourmet"

Bem sei que o marketing é mesmo assim, faz o seu trabalho para que se venda e se procure ter, para que se queira desesperadamente mesmo correndo o risco de levar o conceito à exaustão e inevitavelmente à vulgaridade. A receita é conhecida, com a designação "light" passou-se o mesmo até se chegar ao ridículo...leite condensado "light"??? Mas quem é que compra leite condensado "light"?? Quem está em dieta e não a quer estragar?? Enfim...

Regressemos ao tema...

É fácil saber quando alguém foi a um restaurante Gourmet porque as pessoas fotografam os pratos antes de comer e metem na net para toda a gente ver...são quase sempre servidos em pratos originais e todos deviam vir com a opção "zoom" junto dos talheres. São normalmente vistosos, coloridos, recheados de propriedades especiais e raras que só os pratos gourmet conseguem juntar numa coisa tão pequena. Há ainda quem vá mais longe e detalhe o que vai comer para deixar o resto do mundo pasmado com tamanha obra de arte. Vejam bem...vou comer esta tira de carne de alce, com beterraba do Alasca, courgette grelhada da serra da Malcata, um risco de xarope de amora e por cima uma erva que só cresce nas vertentes noroeste de uma montanha na Tasmânia.  Há bom...se é isso tudo, é mesmo tão exclusivo que só pode ser bom...mas mesmo que seja mau desconfio que o entusiasmo é tanto que até nos obrigamos a gostar daquilo. Claro que no fim a conta também se justifica já que todos conseguimos entender que mandar um desgraçado à Tasmânia apanhar ervas deve ter os seus custos, pois claro!

E as lojas Gourmet?

Essas distinguem-se porque têm muitos produtos biológicos, atendimento personalizado, a apresentação dos produtos é mais cuidada e vendem produtos como se fossem uma coisa nova ... azeite biológico? pão de Izeda? paté de atum em azeite tradiconal? Queijo de Nisa? Compotas em bisnagas??? Tudo muito bem embrulhado em papel manteiga para parecer tradicional...basicamente para parecer qualquer coisa que não veio de um hipermercado e é muito exclusivo!

Às vezes pergunto-me como foi possível ter-se chegado ao ponto em que se celebra ter conseguido umas tronchudas da beira ou o atendimento simpático com que a loja recebeu o "freguês". Não devia isso simplesmente ser a regra? A normalidade devia ser "gourmet"!! Irrita-me ainda mais esta imagem estar associada a uma palavra francesa quando nós os portugueses podíamos dar lições de bem receber e simpatia aos "avecs" e não o contrário. 

A verdade é que a estratégia parece funcionar e a prova é que o numero de "estaminés gourmet" cresce a bom ritmo...a um ritmo tão elevado que agora há hipermercados com área gourmet e tudo. Julgo mesmo que não tardará muito esta área será alcatifada, com a Smooth Fm como música de fundo e porteiro, vestido com um blazer de punhos e insignias douradas, à porta a avaliar se aquele individuo tem ou não cara de quem paga 10€ por uma sardinha enlatada com azeite da herdade do monte da ervilha.

Julgo que, mais cedo do que tarde, a moda do "gourmet" acabará  por passar e virá uma nova designação estrangeira cheia de pinta que nos fará querer muito alguma coisa...mas o que era mesmo simpático é que fosse rápido porque a história do "gourmet" já enjoa!

Até à próxima...

Se houver...

RMA

1 comentário:

  1. Penso que infelizemente o conceito "gourmet" ficou banalizado dado a massificação do termo em qualquer espaço comercial....basta adicionar uma marca desconhecida, um rótulo gourmet e um aditivo ao preço. Inicialmente foi uma boa ideia, realmente diferenciadora, com produtos a preços (exagerados para os demais, justos para os apreciadores) mas com um nicho de mercado muito próprio. Maas como quase tudo que é banalizado, vai perdendo a identidade. Gostei deste teu espaço virtual, continua.

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